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sábado, 19 de novembro de 2011

CAIXEIRO VIAJANTE - PRIMEIRO CONTO QUE ESCREVI


Este conto, escrevi há uns 8 anos mais ou menos. Estava voltando de  visita à clientes na região de Campinas e quando estava na via Anhanguera, exatamente em um pedaço depois de Jundiaí, onde não há retorno, comecei a pensar nesta história. Cheguei em casa e escrevi em uma sentada.
                                                             CAIXEIRO VIAJANTE
"Vida de caixeiro viajante não é fácil!".
Esta era a frase que mais se ouvia dentro dos trens que iam para o interior de São Paulo, no final da década de 50.

Realmente não era fácil, levar malas e mais malas cheias de bugigangas e tentar a sorte em cada parada do trem.
A vida era difícil para todos, menos para Werner Meinhof, filho de imigrantes alemães, fugidos para o Brasil quando da Primeira Grande Guerra.
Werner era do tipo "tipão", como se falava na época, 1,83 metros, forte, trinta e poucos anos, cabelos louros e grandes olhos azuis que eram vistos, segundo as mulheres, a quilômetros de distância.
Fazia o gênero bom moço, sempre simpático e cordial, principalmente com o público feminino, que muitas vezes comprava seus produtos somente para ter suas visitas vespertinas, que vez ou outra terminavam com "algo mais" do que uma simples venda. Existiam clientes ávidas por seus produtos em todas as suas paradas.
Ficava sempre hospedado em pensões próximas às estações e vez ou outra pagava suas estadias com visitas noturnas ao quarto da feliz proprietária.
Esta era sua vida, porém Werner não media esforços para ter o que queria e apesar de seus pais, Helmut e Gerda, terem conseguido se estabelecer e até fazer um "pé de meia" para sua velhice, a história que Werner contava era diferente:
- Tenho que mandar todo o dinheiro que ganho para meus pais fico sem nada, chego até a passar fome, mas não desisto de ajudar quem sempre me ajudou!
E chorava a lágrimas vistas, sempre emocionando suas clientes e conseguindo assim um pouco a mais do que seu lucro, que já não era pequeno.
Uma noite, enquanto jantava numa pensão que irritantemente teria que pagar a conta, pois Dona Maria era muito velha para seu gosto, viu em uma mesa não muito distante da sua, o que parecia ser uma deusa em forma de mulher, cabelos ruivos abaixo do ombro, 1,70 metro, cintura fina, mais ou menos 65 kg bem distribuídos e olhos negros que contrastavam com sua pele alva, porém vermelhos aparentemente de tanto chorar.
Werner não acreditava em seus olhos, nunca vira tão belo espécime, pelo menos sozinha. Pensou em que argumento usar para conversar com aquela beleza e não tardou a sentar em sua frente.
- Desculpe-me, mas não pude deixar de notar que você parece triste, nunca a vi por aqui, posso ajudá-la em alguma coisa?
Clara, era assim que se chamava, olhou bem para Werner e começou a chorar compulsivamente, dizendo palavras sem sentido... Algo como "ele me deixou", "não tenho mais ninguém".
- Fique calma, tome, beba um gole de meu conhaque e relaxe.
Vagarosamente seu semblante bonito foi voltando e Clara acalmou-se, dando até uma risadinha meio sem graça, enquanto falava:
- Estou sozinha agora! Ele me deixou... E eu nem sei dirigir...
Rapidamente Werner olhou para fora e viu um reluzente Chevrolet Belair, azul marinho com capota preta, estacionado em frente à pensão.

- Este carro era nosso sonho! Ou melhor, era o seu sonho. Juntei todas as minhas economias para comprá-lo e agora ele está lá fora e eu aqui, sem ter para onde ir...
Divagou sobre um amor impossível, daqueles que terminam tragicamente com a donzela abandonada no meio da noite. Disse que estavam viajando e pararam naquela cidade apenas para dormir, mas algo tinha ocorrido, ele teria ficado estranho, nervoso e nem lhe deu boa noite direito.
No dia seguinte Clara acordou sozinha, sem nada, somente com o carro.
Disseram que ele tentou levá-lo, mas não conseguia fazê-lo pegar e a loira que o aguardava do outro lado da rua estava impaciente. Então chamaram um táxi e foram direto para a estação.
Tinha se enganado e agora estava lá, há três dias, sem saber o que fazer, esperando que um milagre acontecesse.
Só tinha uma certeza, tinha decido que só se entregaria a um amor de verdade...
- Não tenha medo, cuidarei de você.
Disse Werner, já se imaginando no volante daquela maravilha, rodeado de mulheres e sem ter mais que tomar aquele maldito trem cheio de pessoas inúteis.
Neste instante nem se lembrou da beleza estonteante que o atraiu àquela mesa minutos antes.
Conversaram durante horas e, muitos conhaques e risadas depois, estavam os dois indo pelo corredor dos quartos, sem saberem exatamente aonde iriam.
Pelo menos Clara não sabia, mas Werner sim, sabia exatamente aonde iria "dormir" naquela noite.
- Mulher carente é meu forte!
Pensava Werner, lembrando-se de quantas mulheres já haviam chorado em seus braços, reclamando de maridos, da vida e que invariavelmente terminavam por entregar seu dinheiro e algo mais, em tardes frias de inverno, ou quentes de verão...
Na manhã seguinte, Clara era outra pessoa, parece que nem se lembrava mais de todo o sofrimento dos dias anteriores.
Vendo esta oportunidade Werner não perdeu tempo:
- E agora, o que vai fazer com o carro? Pretende vendê-lo? Ou vai aprender a dirigir?
- Não quero mais saber deste carro! Só me trouxe tristeza, fique com ele! Você merece! Deu-me minha vida de volta!
- Não posso aceitar, são todas as suas economias!
Disse Werner, louco para pegar as chaves e "cair na estrada".
- Eu me recupero e ainda mais, ontem você me jurou amor eterno lembra-se? Então, o carro lhe pertence, em troca de seu amor...
- Sim querida você terá meu amor eterno!
Beijou-a ardentemente, deixando que uma lágrima molhasse seus lábios carnudos.
Durante quatro dias, passearam e fizeram planos para um longínquo futuro. Werner até se esqueceu das clientes que aguardavam ansiosas sua visita.
De madrugada, após mais um dia de declarações falsas e beijos verdadeiros, Werner levantou-se vagarosamente e pôs-se a se vestir em silêncio total. Não foi difícil sair do quarto com suas coisas. Estrategicamente já havia colocado sua mala no carro com a desculpa de saírem bem cedo para Clara aprender a vender e a dirigir.
A partir daquele dia seriam um só, para sempre... Sonhava Clara inocentemente.
Assim que ganhou a estrada, Werner sentiu-se satisfeito.
- O golpe do século! Deixe que outro a console esta noite! O melhor eu já peguei!
E riu nervosamente, sem qualquer remorso ou dó por ter partido um coração que apostava tudo nele e em seus sentimentos.
Passou a trabalhar com seu carro, sem se importar com nada, somente com sua vida dali para diante.
Três dias se passaram e Werner nem se lembrava mais de Clara, não prestou atenção sequer nos comentários da pensão onde se hospedara, sobre uma moça que havia se jogado em baixo de um trem numa cidade do interior de São Paulo.
Como não dormira nada na noite anterior (passou a noite pagando pela sua hospedagem), Werner saiu para a estrada de madrugada sentindo um grande cansaço e com os olhos muito pesados.
Ajeitou então o espelho retrovisor para examinar seu rosto, quando tomou um grande susto.
No espelho, ao invés de ver seu reflexo, viu Clara!
Tentou frear o carro, mas parecia que ele se guiava sozinho. Esfregou bem os olhos e olhou novamente: era ela! Mas como?
Tentando se acalmar, desligou o rádio e olhou fixamente para o espelho:
- Você disse-me que seríamos um só... Então? Não vai ensinar-me a dirigir?
- Nãããããããããooooo!
Gritou Werner, enquanto tentava parar a droga do carro, que insistia em guiar-se por conta própria.
E hoje, passados mais de 50 anos, dizem que, de madrugada, quem viaja pelas estradas do interior de São Paulo, avista um Chevrolet Belair azul com capota preta, lindo como se tivesse saído da fábrica recentemente.
Dentro dele, um motorista vestido com roupas antigas, que insiste em bater no espelho e gritar:
- Saia daqui! Eu já ensinei tudo! Chega!

3 comentários:

  1. às 23 agosto 2011 em 04:09 - Guilherme Dias - Email - Website
    Muito instigante. Talento que até hoje só ouvira falar. Prazer enorme em conhecer esta sua faceta. Parabens. Quanto tiver tempo, passa no meu blog: www.reminiscenciasgui.blogspot.com abraço Guilherme

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  2. às 23 agosto 2011 em 04:33 - Anna Luiza Mesquita - Email
    Marquinhos, li o seu conto e gostei muito, principalmente do desfecho inesperado. Não sabia da sua veia literária. Continue escrevendo pois a amostra foi muito boa . Um abraço da tia Anna Luiza

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  3. Parabéns amigo! Esvcreves muito bem! Adorei. bjuss e boa noite

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